terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Mea culpa

Sortudos mesmo são aqueles que possuem um vício a envenenar suas veias. Invejo-os todos. Ébrios, loucos, indecisos, perdidos, invejo-os. Invejo a eles que mascaram a própria realidade em sua versão inebriada. Que fogem de seus erros em goles longos e desmedidos. Invejo seu escapismo, invejo sua covardia. Invejo os que erram por dias e noites e vidas, até que a mente responde ao que invade o corpo – e eles caem por terra, esquecidos, inconscientes, plenos de amnésia e torpor.

Abençoados são, porque a droga lhes priva de suas bêbadas memórias.

Eu estive sóbria. E, sóbria, fui implacável. Minha mente registrou cada detalhe de meu vil crime. Simples, metálico – matei e saí de olhos secos. Em minhas mãos levei apenas o peso das lágrimas que teci naquele destino. Algo dentro de mim rugiu, no desespero de emergir, mas eu o silenciei antes que ganhasse vida.

Mais tarde, sozinha diante da escuridão perplexa da minha culpa, minha máxima culpa, Engano me olhou e riu seu riso morto. Limitei-me a balançar a cabeça, em censura, e voltei meu olhar para o nada. Eu queria estar a sós com meu pecado, somente... Mas teria de esperar. Ele viera cobrar sua comissão e rir às minhas custas. Eu sabia. Não seria a primeira vez.

Ele continuou de pé, à minha frente, esperando uma palavra, um safanão, um gesto que fosse. Suspirei, vencida, e encarei minha indesejada companhia nos olhos. Ele me deu seu riso sem vida novamente e veio sentar-se ao meu lado. De presente, deu-me pesadelos.

Quando acordei, mais tarde, sufocada e angustiada por algo que não pude nomear, senti que o monstro em mim havia sumido. Meus olhos estavam molhados e percebi – havia chorado durante o sono lágrimas que não eram minhas.